Porque não sei se hoje vou conseguir escrever, escrever, escrever até dizer tudo. Então, vou falar pouquinho. Hoje, comi a farofa que eu mesma preparei e de repente não entendi porque estava achando estranho comer farofa e me toquei que estou decididamente em processo de aquisição de linguagem - espero que meus amigos lingüistas chomkysnianos entendam minha sagaz apropriação do termo- e saboreando adquirir uma língua aos 43 como se fosse uma criança de sete anos. Além do estranhamento da farofa ( senti tão fora da minha frequência israelense aquela farofa, embora meu processo seja oswaldiamente, antropofágico: ninguém se livra das teorias avós que bebeu!) tive anteriormente dois sinais em semanas distintas:
Sonhei, o primeiro sinal, que eu falava em hebraico com uma pessoa desconhecida. Acordei maravilhada em sonhar que eu estava falando hebraico. Semanas depois, segundo sinal, sonhei que eu estava assistindo aula em hebraico onde aprendia e via e escrevia palavras novas. Um luxo. Acordei rindo. Melhor, sorrindo. Eu havia dormido e acordado com a língua hebraica. É completamente diferente de conviver com a língua e a fala o dia inteiro na rua, no ônibus, na aula. Acordar, depois de dormir e sonhar, com uma língua é praticamente uma intimidade que não se desfaz, não acaba o dentro. Muito prazer.
E então, depois desses três processos reparei que estou pensando as duas línguas, o hebraico e o português, em situações muito simples e de uma forma muito, muito risonha: eu penso a situação com palavras em hebraico - palavras simples: onde, como, porque, etc.- e se não tenho o vocabulário apropriado encaixo imediatamente uma palavra em português. Quem me alertou primeiro para esse processo, dando risadas, foi meu orientador de doutorado que é lingüísta, e me disse que colocava na minha fala em português palavras em hebraico e que eu não estava me dando conta.
Hoje, então, reparei em meio a farofa, que estou pensando da mesma forma mas fazendo o contrário, isto é, começo pensando em hebraico e daí encaixo a palavra em português, com frases bem mais completas e complexas e sou grata a todos os trocentos anos "perdidos" estudando análise do discurso, estrutura da linguagem instrumental e retórica: o hebraico está entrando, entrando e vovô vê e entende tudo o que compõe a conjectura da uva. Escrevo, leio, falo e penso. Logo, o Ben Yehudá continua existindo. Que notável viver e aprender uma nova língua na curva dos quarenta: uma pétala vazia que me penetra e me apresenta a síntese da flor que não sabe como é feita, amor.
Um comentário:
camões revisto por bashô
as rãs
daqui e dali
s l a d
a t n o
o charco soa
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Haroldo de Campos
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