"- Te peguei, niilista! O sedentarismo é justamente o pecado contra o espírito Santo. Apenas os pensamentos caminhados têm valor. Só se pode pensar e escrever sentado." ( Nietzsche)
Sentar em cadeiras é um dos próprios do homem que mais é dificultoso para mim. Odeio sentar. Sou uma pessoa afobada, atarantada, tenho bicho carpinteiro e não consigo assistir televisão apenas porque tenho que sentar. Sentar para mim é sinônimo de estar parada. Não gosto de ir ao cinema também. Sei que soa tosco. Mas é assim.
Nunca gostei de nada que nos obriga a sentar: assistir aulas e estudar e escrever. As duas últimas coisas eu só faço deitada ou em posição de leitora da corte francesa. Sou peripatética. Escrevo andando. É um tormento quando termino de escrever e tenho que sentar para colocar opensamento em desenho de letra. Sentar, definitivamente, não é um protocolo justinho para mim.
Também não gosto de ármários e tenho horror por paredes. É um tipo de privacidade que não me diz nada. Nem mesmo para ir ao banheiro. Adoro entrar para morar em casas vazias, essas, sem ármários. Odeio guarda-roupa, armário de cozinha, uma vida projetada, vamos dizer assim.
Mas cadeira é meu calcanhar de Aquiles. Daí meu gosto pela fotografia que me obriga a ficar zanzando, bater perna. Escrevo copiosa e verborragicamente, mesmo assim. Sei que sou uma máquina de escrever. Todas as minhas mesas tem que ser enormes. Agora, adquiri uma de um metro e meio de comprimento, estamos felizes, eu e ela. Mas havia a questão da cadeira. Claro que meu(s) oficio(s) me obrigam a ter uma cadeira confortável.
Fui ver o preço. Daria para comprar umas duas ou duas e meia mesas iguais a que comprei. Desisti, simplesmente, porque odeio cadeiras, imagina, comprar uma. Foi fácil. Faz quase dois anos que moro em Israel e escrevo e leio na cama. Dois notebooks me acompanham. Ligados full time.
Duas ou três semanas atrás achei uma cadeira boa, dessas pretas, fortes, que giram de lá para cá, me esperando em frente ao lixo. Já escrevi um post aqui no blog sobre o lixo em Israel. Não é exatamente lixo: as pessoas deixam em frente ou perto coisas que não vão usar mais para quem necessita: livros é coisa comum. Enfim, tenho um post sobre isso aqui, provavelmente de 2009.
A cadeira estava um pouco capenga, não muito. Faltava uma rodinha que eu imediatamente substituí por um tijolo de dolomita enrolado lucianicamente com durex. Funcionou. A cadeira ia e vinha. Com a mesa nova, espaçosa e já bagunçada, a tal da cadeira começou a me incomodar. Nada demais. Apenas me incomodava olhar para ela com aquele tijolo como ornato. Ontem, feriado, não resisti: voltei a cadeira para o lugar que encontrei no lixo. Não sem antes desenrolar a prótese de tijolo. Queria entregá-la exatamente como a achei. Sou generosa mas, literal. Causo algumas confusões nas pessoas com duas características tão disformes, juntas. Vamos dizer que sou uma cangaceira altruísta, uma brasileira pé duro, adorável.
Enquanto trabalho, todos os dias, ando pela casa, abro a porta da rua, ando até a esquina e volto. Tudo ao mesmo tempo. Só não posso e não consigo ficar parada. Num desses vai e vem resolvi ir até o lixo da rua para ver se a cadeira estava lá. Estava. Levei um susto. Pisquei duas ou três vezes e me certifiquei que não estava pirada. Mas me senti bem doidinha por um átimo. Havia uma cadeira novinha, com plástico e tudo e rodinhas no pé. Inverossímel, eu sei, mas era para mim.
Por que? Muitas hipóteses. Poderia dizer que aqui é Israel e alguém deixou uma cadeira melhor no lugar para que eu mesma pegasse. Essa hipótese não é impossível aqui. Outra: alguém viu a cadeira que deixei e se lembrou que havia uma em casa sem serventia, aproveitou o ensejo e jogou fora. Mais uma, parecida com a anterior: trocaram as cadeiras. A minha ex não estava lá, a outra, igualzinha estava: alguém se divertiu fazendo isso, uniu o lixo ao agradável. Mas a hipótese de que mais gosto é a de que um vento bom do deserto passou por ali e me deixou um recado mais ou menos assim: "Toma sua cadeira. Você merece uma cadeira nova."
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