quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Sobre livros, editores e escritores


                                                                                                          ©2011 shlomitor

Recém chegada das obras da Fazenda do Brigadeiro Luis António,  Saltos, Campinas, onde faço o ensaio documental fotógrafico da restauração sob os auspicios da arquiteta Ana Villanueva encontro uma pilha de pacotes pardos, um em cima do outro, a minha espera. São livros que possuem além de sua própria história, a história dos seus itinerários. Não chegaram em cima da minha mesa por obra do acaso ou graça ou destino. Eles aqui, assim, encarando-me feito livros, por labor de muita muita gente além dos seus autores sofregos, mal dormidos, escrivinhadores, pesquisadores, quando não, dos seus editores, também sofregos, também mal dormidos, também laborosos para que hoje, eles se portassem comportados em cima da minha mesa restiando o raio de sol que atravessa a janela, não sem antes fazer uma refração no belo e cheiroso vaso de Mirra ( commiphora myrrha) que ganhei do Luiz Fernando Martins, o Nando, o melhor tradutor de livros do inglês para português que conheço mas também meu amigo- professor de luz e sombras, fotográficas ou não.

Acuso e agradeço, portanto, o recebimento dos livros. Durante os próximos post deste blog e semanas próximas estarei postanto as respectivas resenhas críticas:


                                                                                                           ©2011 shlomitor

"Testemunha Ocular (recordações)" de Rubens Borba de Moraes e "O Mestre dos Livros: Rubens Borba de Moraes" de Suelena Pinto Bandeira que a editora (e o editor) Briquet de Lemos enviou-me gentilmente depois da leitura de um post desse blog (aqui) sobre a morte do José Mindlin. Já comecei a ler e já não quero chegar ao fim, nunca, porque Rubens Borba dá um espetáculo de erudição, conhecimento e é excelente prosador. Está sendo muito prazeirosa a leitura. O segundo livro, o da Suelena, não abri ainda porque o primeiro não deixou. Mas é só uma questão de tempo. Um livro chama o outro, não necessariamente nessa ordem, que está sendo a minha de leitura, mas foi a pesquisa e a pesquisadora  Suelena que é a responsavel para que possamor ter hoje o privilégio dessa leitura dos diários de Rubens. Depois, soube ainda na apresentação do livro que,  a professora Ana Maria Camargo entrou na história, para minha alegria e descoberta...estar com Rubens Borba sem ter a mão da professora no meio é sempre muito triste, muito inviável, até porque conheço Ana Maria e aprendi muito com ela sobre Rubens, em conversas e cafés na minha ex casa da rua Paes Leme, no século passado, quando recebia visitas dela junto com o livreiro Garaldi e um seu cachorro, magnifico, um simpático bull terrier.  Todos esses aspectos juntos me deixaram muito contente e aflita e afobada para começar a leitura. Quero antecipar que fui surpreendida pela introdução do editor Briquet que dá uma lição sobre o estabelecimento de texto utilizado por ele na edição. Que fique anotado: se você quiser aprender ou ter uma idéia de  como é ser um bom editor leia a "Apresentação" do livro do Rubens Borba redigida pelo Sr. Briquet. Aliás, gostaria de salientar que esse editor e atualizado leitor de blogs, além de ler meu post, comentou por email, que talvez eu estivesse um pouco equivocada quanto a relação do Rubens Borba com o José Mindlin, iniciando assim, uma (e essa) saudável discussão, leitura e comentários. Nunca nos vimos ou nos apresentaram, nem antes nem depois, e, que  vivam os blogs e os editores antenados e salutares como o Sr. Briquet Lemos.



                                                                                                        ©2011 shlomitor
Também comecei a leitura do "A arquitetura da Alteridade: a cidade Luso-Brasileira na Literatura de Viagem (1783-1845)" do Amilcar Torrão Filho, fruto de um longo e profundo doutorado. A pesquisa me interessa de perto e me atinge por dentro: há um historiador que, enfim, está levando em conta que diários, tratados, itinerários, são todos generos que pedem conhecimento das práticas letradas de retórica anteriores ao século XIX na Peninsula Ibérica, coisa que necessita de folego e parece que nosso historiador Amilcar o tem, ou arranjou, ou se empenhou nisso, pouco importa: o livro precisa de folego para ler, é um passeio profundo sobre a cidade luso brasileira na literatura de viagem, e em troca você necessariamente vai sair mais letrado e menos burro do itinerário que o professor da Puc- Sp, oferece. É pegar e não largar. O livro saiu pela coleção "Estudos Históricos" da Hucitec que insiste em espremer as letras e deixar as linhas sem espaço para economizar papel e nunca coloca óculos ou lente de aumento como brinde para leitura. Mas isso não é um problema só da editora Hucitec, a gente sabe.
Em tempo: também agradeço ao professor Amilcar por  enviar ao meu endereço o livro " De volta a Luz: fotografias nunca vistas do Imperador" , esgotadissímo, do finado Banco Santos que Deus o tenha e guarde em nossa terra publica toda coleção comprada por Edemar Cid Ferreira. Há aguns anos atrás vi toda a coleção e processo de restauração das matrizes de talha dos maiores mestres populares de xilogravura brasileira que era da  sua coleção particular e foi salvo pelo IEB-USP, depositário a partir de então, sic, prisão,  dessas pérolas. Um bom ladrão esse senhor Cid: obrigada pela sua coleção particular. Ainda haveremos de vê-la por aí, exposta e de graça, porque ela é nossa, sim senhor.



                                                            ©2011 shlomitor
 
 Fica aqui resgistrado também meu supergrata ao Fellipe Andrade Abreu e Lima que me enviou há séculos atrás ( e eu só recebi essa semana) um exemplar do seu esgostado "A Obra e o Tratato de Arquitetura de Giacomo Barozzi da Vignola" pela Edições Bagaço no Recife. Nesse meio tempo, Fellipe que é arquiteto e especialista em Tratados de arquitetura Renascentista já publicou mais dois livros importantissímos, a saber:
"A Tratadistíca do renascimento-1452, FAUUSP, 2009" e " Regra, Ordem, Invenção, FAUUSP, 2010" e para inveja dos simples mortais está em pleno inverno   na Universidade de Harvard, de sobretudo preto, e, sobretudo, sendo "research Assistent" para levantar a autoestima de todos nós, pesquisadores brasileiros.
Suas traduções comentadadas são de grande valia pois o moço, além de inteligente, arquiteto e urbanista é também  professor e tradutor de italiano. Foi assim que ele traduziu para o português o Tratado de Vignola que circulou feito rastilho de polvora no século XIX brasileiro e foi utilizado em larga escala nas obras eméritas da arquitetura no Brasil. Taí a tese de doutorado da Ana Villanueva, no prelo, sobre Campinas Clássica: Catedral Nossa Senhora de Campinas, para comprovar isso. Nem só de Ramos de Azevedo vive a arquitetura brasileira mas também de arquitetos pesquisadores notórios sobre arquitetura colonial e tratadistica como Fellipe de Andrade Abreu e Lima e Ana Villanueva, que como vocês sabem (ou não sabem) sou a fotógrafa oficial da documentação de seus projetos de restauração.



                                                                                                        ©2011 shlomitor
 
Por fim, um adendo: a magnifica brochurinha, bem aos moldes do caprichoso editor Claudio Giordano que é editor de pérolas e achados ao gosto de qualquer bibliófilo que se preza, coisa que não é meu caso, sou apenas uma leitora compulsiva e voraz. Pois, já lançado em 1998, esgotado e reeditado em 2004, a pérola de livrinho com capa vermelha e folhas amareladas é parte do diário de Pedro Nava referente à sua viagem em 1958 ao Egito, Jordânia e Israel. Com direito a desenhos, comentários e capa do caderno em Fac-simile e lançado pela Atelier Editorial, o diário dá conta de mais um brasileiro que bateu pernas na cidade velha de Jerusalem, como eu, com a diferença que se chamava Pedro Nava e é nosso maior memorialista. Transcrevo aqui um pequeno trecho da página 37 e 38 do "Viagem ao Egito, Jordãnia e Israel" para aguçar a sua vontade e ter noção da consideração crítica de Nava em 1958 de uma paisagem que não terminou, que não termina e me chama na alma:
"Uma mesma cidade, Jerusalém. Mas a Jerusalem na Jordânia e a Jerusalém de Israel diferem como se fossem dois mundos separados no tempo e espaço. A Jerusalém da Jordãnia é uma visão das Mil e Uma Noites, Mil e Uma Noites piolhenta, sórdida e colorida, mas sempre Mil e Uma Noites. Cheia de movimento de um formigueiro de comerciantes, crianças, soldados, burros de carga e de mulheres e homens de véus e kafias policrômicos. É difícil dar a medida de seu encanto e de sua simpatia, de sua profunda humanidade e sua incomparável doçura. É viva como os seus doces de todas as cores, saborosa como o rabatloukoum dos tabuleiros de cada esquina. Cheira a estrume, incenso, amendoim e carne de carneiro. A Jerusalém de Israel é uma cidade do nosso tempo- limpa, normal, americanizada e cheia de força banal do progresso e da criação" (Pedro Nava In "Viagem ao Egito, Jordânia e Israel")


sábado, 20 de novembro de 2010

GAMA, Luciana. Os Macunaítas: exéquias. ex(c)ertos. trechos. Cienc. Cult. [online]. 2010, vol. 62, no. 4, pp. 66-67. ISSN 0009-6725.


Scientific Electronic Library Online


Ciência e Cultura

ISSN 0009-6725 versão impressa

Cienc. Cult. v.62 n.4 São Paulo out. 2010


 


Luciana Gama

Os Macunaítas: Exéquias. Ex(c)ertos. Trechos


"Do muito que li, em ócio, e viajei, em férias, partes da formação da minha nobre educação Icamiaba, tornaram minha chegada nessas terras de Jerusalém, letrinha miúda, de maneira que aqui cheguei já na consideração que não merece pouca estimação, o que, desprezando os mimos e regalos da sua pátria, busca as alheias para nela se qualificar com mais largas experiências: por cuja razão é sair o da pátria o que faz aos homens mais capazes e idôneos para mui grandes empresas e suficientes para tudo: como o tem feito a tantos varões ilustres. Porém é certo que quem peregrina acompanhado de seus vícios mais valerá não ter saído; pois tornará mais perdido, que aproveitado: porque as enfermidades da alma não se curam com a mudança de lugar, de modos que aqui cheguei, doente de doença Brasil, país sem saúde, o dístico do pai espiritual do meu povo não é nada perto do meu: escrevem bonito e fazem feio, os males do Brasil são!"

"Eu pensei em ser breve nestas bem traçadas mas você repare na grandeza da matéria o que não me permite qualquer outra alternativa imposta pelo gênero. Não é nada desprezível o aprendizado que tenho angarinhado com o povo do livro. Sim, eles são o povo do livro. Você, então, imagine os estatelos e estupefatos a que sou submetida a cada pernada pela rua ou sentada no ônibus, eu, uma legítima Icamiaba, conviva dos melhores salões da nobreza paulistana, descendente exemplar do povo do Texto, os Macunaítas."

"Me acuda, prima, para brincar todas as noites. De manhã, quando Vei a sol chega estou exausta, quem tem força para levantar e ir trabalhar para ganhar vintém para pagar a universidade? Bem que eu quis impor à minha ardida chama uma abstinência, penosa, para poupar despesas à prima; porém que ânimo forte não cede ante os encantos e galanteios da homarada nordestina [sic] palestina daqui? Sei que vais me recordar, em argumentação carinhosa, que podia entregar de vez a muiraquitã pro meus cuidados e por ele pra correr, como boa Icamiaba que sou, mas você não imagina que os homens árabes daqui parecem Icamiabas de tão homens que são e contam nossas luas de sangue porque querem os filhos machos para eles e já que eu não reproduzo o homem vem brincar toda noite, a muiraquitã tá na mesinha ao lado da cama, empoeirada que só vendo a belezinha, ele dá safanão no meio da noite e eu vou parar longe, a muiraquitã e o criado mudo vão juntos, uma delícia, eu acordo feito fúria e cresço para cima dele. Brincamos assim. Pode enviar apenas um pouco mais de dinheiro porque com pouco a vossa abstemia acadêmica se contenta; se não puderdes enviar duzentos reais, mandai cem a mais, ou mesmo cinquenta! "

"A cidade velha, cercada com seus muros do fim do século XVI mas onde as pessoas jeremiam seus lamentos como se fosse o que restou da queda do segundo templo em 70 D.C, é um parque temático ao gosto do freguês, seja ele católico, muçulmano, judeu, budista, ateu ou arqueólogo. A cidade se abre para realizar qualquer fantasia de crença que uma pessoa tenha, da igreja do Santo Sepulcro, o castelo mal assombrado mais antigo do mundo até a maravilhosa, sem dúvida, esplanada da mesquita Esh-Sharif, que deixa o castelo da Cinderela no sapatinho embora ambos possam ser vistos a partir de qualquer canto dos seus reinos: Disney ou Jerusalém. Ninguém, ninguém aqui ladrilhou ou semeou, embora a cidade, como todas, viva de apropriações e desapropriações, mas nenhuma igual a que o padre Sergio Buarque de Holanda fez com a frase do historiador Antônio Vieira. Jerusalém nada tem de colonial (...)."

"Acontece, atente nisto, que o povo do livro acredita que somos o povo do Texto porque despregamos de uma folha perdida por uma então perdida tribo das dez tribos perdidas, desertores dos desertores, povo meio que do B das antigas, pensei gargalhando botões, fala sério, mas a hipótese seria a seguinte: nós nos perdemos, em algum momento, nos quarenta anos de caminhada das doze tribos pelo deserto que aportaram em Canaã. Tô boa, santa: um Macunaíta jamais se perderia, pensei, quanto mais cinco ou seis ou vinte e cinco juntos, pelo simples motivo de que jamais pensaram em encontrar qualquer coisa que fosse, quer dizer, a menos que seja para desencontrar. Se for verdade o que eles dizem, fique certo como eu estou certa, de que logo na primeira semana dos quarenta dias, assim que atravessaram o mar vermelho, os Macunaítas farejaram que aquilo tudo era uma chatice sem tamanho e desertaram bacana. No entanto, argumentam que as semelhanças entre nosso tio avô feiticeiro, Maanape e Araão, mano de Móises, não são nada desprezíveis.

"O povo do livro também assevera que algumas semelhanças textuais asseguram um passado em comum entre eles e nós, o povo do Texto, como por exemplo – eles se apoiam em Vasconcellos, por certo a palavra Tupan-Abá é uma curruptela que precedeu deTupinambá e significa "Povo de Deus". Uma outra, conceptual e agudérrima, é a de que a palavra arara deriva de ararat, o monte bíblico onde Noé aposentou as galochas, revelando assim uma memória assombrada e assombrosa de tempos imemoriais em cujo caminho a letra t criou asas".

"Para chegar ao Muro das Lamentações tem que descer uma escadaria de arrepiar o Bonfim e é suja, prima, tão suja que merecia uma lavagem de água de cheiro. Morro de vontade de fazer a lavagem das escadas do Kotel, ô saudades! O povo do livro também tem uma tradição culinária de comer sanduíches com bolinhos fritos de grão-de-bico na rua, imagina só, pensei então que poderia montar uma barraquinha perto da escadaria do Muro das Lamentações e me tornar a baiana do falafel."

Luciana Gama (Shlomit Or), 44, é escritora, fotógrafa, cronista e doutoranda na Hebrew University Jerusalém no Departamento de Spanish and Latino Studies.Brasileira e israelense, possui artigos publicados na Revista USP, Iararana e do Centro de Estudos Judaicos de Minas Gerais.Faz fotoliteratura, cujo foco, a narração das ruas, estão divulgadasem diversas mídias/jornais como Reuters e Haaretz. É autora de Os macunaítas: um povo sem solução, romance inédito, de onde o trecho acima foi retirado. Blogs: www.acusticojerusalem.blogspot.com; www.photojerusalem.blogspot.com; http://macunaitas.tumblr.com