sábado, 18 de abril de 2009

Passarim


Yellow Vented Bulbul ( Pycnonotus Goiavier)
Passarinhos fazem parte do meu trajeto, e, das minhas afinidades eletivas. Este acima aparece como muitos outros no muro em frente à janela lateral do meu quarto de dormir, morar. Por conta, sem muito perceber, deixo a máquina fotográfica completamente ao nosso alcanse: dos meus olhos e do muro para pássaros. Moro ao rés do chão e por obra e graça do planejador do prédio- que se eleva acima da minha morada- a janela abre para o jardim. Da onde se explica o fuzuê do som dos pássaros dentro do meu quarto. Já sei quem são, as cores que possuem, e, obviamente, comecei, compulsiva, a estudá-los em sites israelenses de ornitologia. Este acima ainda não descobri seu nome científico mas ele é logotipo de dois sites jerusalomitas sobre pássaros. Donde concluo que deva ser um pássaro popular e querido daqui. Tanto meu avô Mauricio, quanto meu Tio Mauri, como também meu pai João eram aficcionados por pássaros. Minha avó Téia também era. Desde cedo convivi com palavras pássaros: papacapim, inhambuxitã, chupim, pintassilgo, e, com os próprios. Gaiolas de lá para cá, pregos na parede para pendurá-las, banhos de sol, banheirinhas d' água. Lembro bem como minha avó, às vezes, passava horas na máquina costurando umas capas de plástico para colocar por fora da gaiola, assegurando assim, que a limpeza dos alpistes no chão fosse mais justa. Trago também com exatidão o rito da limpeza das gaiolas todos os dias: assopro no alpiste, troca de água e o jornal que ia parar no fundo da gaiola. Os pássaros ficavam felizes e a gente ficava olhando o banho imediatamente na água nova, e, como cantavam. Sim, o esmero era tanto que meu tio Mauri tinha espingarda para espantar os gatos e um viveiro que era um sonho também para qualquer ornitólogo. Quando todos se encontravam a conversa girava sobre pássaros e era um tal de gaiola para cá e para lá no carro. Ninguém ia ou vinha sem levar ou trazer uma gaiola com um novo pássaro. Faziamos a conexão Castelo Branco, ie, São Paulo- Tatuí- Tupã, cuidando dos pássaros, parando o carro para certificar que estava tudo bem com eles. Depois eles entravam para a familia e cantavam o dia todo na cozinha, na área de serviço. 
Aqui em Jerusalém os pássaros existem aos montes. Pelo menos para mim e para minha janela. Quem convive com pásssaros sabe que os cantos os trazem para perto, são curiosos, e, me divirto como eles se entusiasmam quando estou ouvindo Tom Jobim ou João Gilberto, que, via de regra, fechava a janela para não ouvir os pássaros desafinando entre às cinco e seis da manhã. Aprendi com João que os pássaros desafinam e nunca mais deixei de ouvi-los assim. É um delicioso exercício ouvir a melodia dos pássaros em completo desvairio, animadissímos na sua antiorquestra. Aqui tenho esse privilégio. Tenho uma melâncolia extrema com o canto do sabiá mas ela é bem focada: passei anos ouvindo sabiás solitários no inicio e no fim do dia em São Paulo. Já o monólogo do Bem-Te-Vi me trazia alivio.  Na Bahia, onde morei por cinco anos em Vitória da Conquista, acordava todo os dias às cinco da manhã com uma orquestra enlouquecedora que praticamente me ensurdecia. A mangueira do meu vizinho era também a mangueira do meu telhado mas, inversamente ao João, eu não tinha meios de terminar com aquela folia. 
Quando fotografo, ou tento fotografar os pássaros ( ainda não tenho uma lente à altura da demanda) somente um fato justifica meu ato; os pássaros adentram em minha formação e em meu universo cultural, o que não é pouca coisa, eu sei; no entanto,  quando os vejo por aqui somente uma forte lembrança surge com toda a sua soberana maestria em mim: Antonio Carlos Brasileiro Jobim.

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